Direito dos embriões e o novo Código Civil: reflexos no Direito de Família

Direito dos embriões e o novo Código Civil: reflexos no Direito de Família
O direito dos embriões tem se destacado como um tema sensível e urgente no Direito de Família e Sucessões, reflexo direto dos avanços nas técnicas de reprodução assistida. As inovações tecnológicas trouxeram à tona questões jurídicas complexas e ainda carentes de regulamentação clara no Brasil.
Embora os embriões não sejam considerados sujeitos de direitos plenos no Brasil, a legislação assegura uma proteção jurídica que respeita sua condição de vida potencial. O artigo 2º do Código Civil dispõe que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida”, entretanto, protege os direitos do nascituro desde a concepção. No entanto, os embriões criopreservados ainda não se enquadram como nascituro, posicionando-se em um limbo jurídico.
A Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005) é o principal marco regulatório sobre o tema, autorizando o uso de embriões inviáveis ou congelados por mais de três anos para pesquisa científica, desde que com o consentimento dos progenitores. Além disso, a Resolução nº 2.320/2022 do Conselho Federal de Medicina (CFM) regula o destino de embriões excedentários, permitindo sua doação ou descarte, sempre com a anuência dos genitores.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.510, reforçou esse entendimento ao declarar constitucional o uso de embriões para pesquisa, equilibrando os direitos à vida e à dignidade com outros direitos fundamentais, como o avanço científico.
Óvulo fertilizado, embriões criopreservados e doação de embriões excedentários
Contudo, uma decisão recente da Corte Suprema do Estado do Alabama, nos Estados Unidos, trouxe uma perspectiva diferente. Em um julgamento histórico, a corte declarou que um óvulo fertilizado – ou seja, um embrião – deve ser tratado legalmente como uma criança ou feto em gestação. Essa decisão gerou intensos debates entre juristas e defensores de direitos humanos, pois amplia significativamente a proteção jurídica dos embriões, igualando-os a indivíduos nascidos em direitos fundamentais. Embora essa interpretação ainda não tenha ecoado de forma semelhante no Brasil, ela pode influenciar futuros debates legislativos, especialmente considerando o impacto nas questões de aborto, doação de embriões e fertilização assistida.
As implicações da reprodução assistida são amplas no Direito de Família, especialmente em questões de filiação e parentalidade. Uma situação recorrente envolve embriões criopreservados de casais que posteriormente se divorciam. Nesses casos, a Resolução do CFM exige o consentimento expresso de ambos os genitores para a utilização dos embriões, com possibilidade de revogação antes da implantação.
Embora essa regra proteja a autonomia reprodutiva, também gera conflitos. Por exemplo, se um genitor deseja implantar o embrião, mas o outro se opõe, prevalece a regra da revogabilidade. Tal abordagem privilegia a liberdade individual, alinhando-se aos princípios da dignidade da pessoa humana e do planejamento familiar (artigo 226, § 7º, da Constituição). Entretanto, também frustra o desejo de parentalidade de quem não possui outras opções para gerar filhos.
Outro aspecto delicado é a doação de embriões excedentários. Apesar de ética, essa prática ainda carece de regulamentação robusta, especialmente quanto ao direito à identidade genética. O debate é essencial para equilibrar o direito dos filhos gerados por essa técnica de conhecerem suas origens biológicas com a privacidade dos doadores.
No Direito das Sucessões, a questão dos embriões criopreservados ganha destaque nos casos de filhos concebidos após o falecimento de um genitor. O artigo 1.784 do Código Civil dispõe que a herança se transmite no momento da morte do autor da herança, entretanto, resta silente quanto a situações nas quais a concepção ocorre posteriormente.
Alguns tribunais têm reconhecido o direito sucessório de filhos póstumos, desde que haja consentimento prévio e expresso do falecido para a utilização dos embriões. Essa interpretação resguarda o princípio da autonomia da vontade, permitindo que o desejo de continuidade familiar seja respeitado. No entanto, a existência de embriões pode prolongar inventários, dificultar a definição de herdeiros e gerar conflitos patrimoniais.
Propostas
Neste sentido, o anteprojeto de alterações propostas para o “Novo Código Civil” traz consigo dispositivos acerca da regulação de fertilização e gestação de substituição. Atualmente, a Resolução nº 2.320/2022 do Conselho Federal de Medicina é a principal norma que regula a maternidade de substituição, permitindo-a apenas em casos excepcionais e entre parentes de até quarto grau.
O anteprojeto de alteração do Código Civil propõe inovações significativas no campo da reprodução assistida, abordando temas sensíveis como a filiação, a gestação de substituição e o destino de embriões excedentários. Tais mudanças visam corrigir lacunas normativas e oferecer maior segurança jurídica às relações familiares e sucessórias que envolvem a concepção por meios artificiais.
Dentre os principais dispositivos do anteprojeto, destaca-se a regulamentação da filiação advinda da reprodução assistida, garantindo que os filhos gerados por essas técnicas tenham seus direitos assegurados desde a concepção, independentemente do estado civil ou da identidade de gênero dos genitores. O texto também busca estabelecer diretrizes mais claras para a manifestação de consentimento prévio e irretratável dos envolvidos na fecundação do embrião, evitando litígios futuros sobre a parentalidade.
Outro ponto essencial é a gestação de substituição, que atualmente é regulamentada apenas pela Resolução nº 2.320/2022 do Conselho Federal de Medicina. O anteprojeto propõe a incorporação dessa prática ao ordenamento jurídico brasileiro, definindo requisitos para sua realização. As novas regras ampliariam o acesso à técnica, permitindo que mulheres sem vínculo de parentesco com os pais biológicos possam atuar como gestantes substitutas, desde que mediante contrato formal e sem caráter comercial. Além disso, o texto especifica os direitos e deveres da gestante substituta, assegurando sua dignidade e protegendo sua autonomia sobre o próprio corpo.
O anteprojeto também trata da destinação dos embriões excedentários, permitindo que os genitores tenham mais liberdade para decidir sobre sua doação, preservação ou descarte. Essa regulamentação busca reduzir os conflitos jurídicos decorrentes da falta de regras claras e garantir que as decisões dos progenitores sejam respeitadas ao longo do tempo. Além disso, há a previsão da possibilidade de reconhecimento da parentalidade em casos de embriões implantados após o falecimento de um dos genitores, um tema ainda controverso, mas essencial para o Direito Sucessório.
Com essas propostas, o anteprojeto do Novo Código Civil busca equilibrar os avanços da biotecnologia com os princípios da dignidade da pessoa humana e da autonomia privada, criando um marco legal mais robusto e adequado às novas dinâmicas familiares e reprodutivas.
Conclusão
Desta forma, a incorporação de novos dispositivos acerca da responsabilidade dos pais biológicos e dos direitos da mãe substituta assegura maior segurança jurídica. Além disso, a regulação do uso de embriões excedentários, incluindo o direito de escolha sobre sua destinação, é essencial para evitar conflitos futuros. Uma proposta mais robusta poderia abordar também a questão da possibilidade de comercialização da gestação de substituição, um tema ainda controverso no Brasil, mas amplamente debatido internacionalmente.
O direito dos embriões é um campo em expansão, onde a ciência avança mais rapidamente do que a legislação. As lacunas normativas no Brasil exigem ações legislativas urgentes para trazer segurança jurídica e proteger os direitos dos envolvidos. No âmbito do Direito de Família, garantir a autonomia reprodutiva e regulamentar questões como filiação e doação de embriões é fundamental. No Direito Sucessório, a necessidade de harmonizar o desejo de continuidade familiar com a segurança patrimonial dos herdeiros é evidente.
A evolução jurídica deve equilibrar os princípios da dignidade da pessoa humana, da autonomia da vontade e da proteção a vistas de assegurar que os avanços científicos sejam utilizados de forma ética e responsável, bem como mitigar conflitos. Com uma legislação clara e um judiciário sensível, podemos construir um sistema jurídico mais justo e adequado aos novos paradigmas familiares e sucessórios.
Maria Clara Magalhães
Advogada do escritório Coelho e Dalle Advogados, pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-mar-04/direito-dos-embrioes-e-o-novo-codigo-civil-reflexos-no-direito-de-familia/